“Todo mundo
queria texto meu. E o Ginaldo de Souza, que dirigia o Teatro
Jovem, do Rio de Janeiro, também quis. Chamou o Luís
Carlos Maciel pra dirigir a Barrela.
Depois de um mês de ensaio, a Censura proibiu a peça.
Foi convocada a classe teatral, os críticos do Rio
e de São Paulo escreveram pedindo a liberação,
depois de assistir à peça em sessões
clandestinas. (Fizemos três, com o teatro cercado por
policiais.) Pareceres importantes como esses e outros foram
enviados ao então Ministro da Justiça, Gama
e Silva. De nada adiantaram os argumentos. Era março
de 68, e o ministro proibiu a peça. Doeu em mim essa
proibição mais do que todas as das outras peças.
Doeu, mas não me desanimou.
Em 1969, em Brasília, conversando com um figurão
da Censura Federal, ele me disse que o caso Barrela
poderia ser revisto, desde que houvesse possibilidade de ele
assistir a um ensaio. Acreditei. Santa ingenuidade! O Ginaldo
de Souza, testemunha dessa conversa, também acreditou,
mas não tinha condições de produzir a
peça na ocasião. Vim pra São Paulo, contei
a conversa pra uns amigos, que resolveram produzir a peça.
Convidaram o nosso querido Alberto D´Aversa pra dirigir.
E em junho de 69, com a peça
prontinha, procuramos o figurão da Censura pra assistir
ao ensaio. E o homem simplesmente negou tudo, negou ter prometido
alguma coisa a mim. A peça continuou proibida. E todos
nós sofremos.”
[No dia 3 de Agosto de 1968, o jornal Folha de São
Paulo publica: A situação de Plínio Marcos
é a seguinte: trabalho dele que chega em Brasília,
antes mesmo de ser lido, os censores dizem: Plínio
Marcos? Proibido. Após o ano de 1968, o teatro de Plínio
Marcos era sistematicamente censurado. Até mesmo Dois
Perdidos Numa Noite Suja
e Navalha na Carne,
que já haviam sido apresentadas em diversas regiões
do país, foram interditadas em todo o território
nacional. Na década de 70, Plínio Marcos era
o próprio símbolo do autor perseguido pela censura.
Era considerado um maldito,
que incomodava a ditadura e a Censura Federal. Foi preso pelo
2º Exército em 1968, sendo liberado dias depois
por interferência de Cassiano Gabus Mendes, então
diretor da Televisão Tupi. E, em 1969, foi preso em
Santos, no Teatro Coliseu, por se recusar a acatar a interdição
do espetáculo Dois Perdidos Numa Noite Suja, em que
trabalhava como ator. Foi transferido depois, do presídio
de Santos, para o DOPS em São Paulo, de onde saiu por
interferência de vários artistas e sob a tutela
de Maria Della Costa. Além dessas prisões, foi
detido para interrogatório em várias ocasiões.]
“De repente, todas as minhas peças foram proibidas.
Por quê? Ninguém dizia coisa com coisa. Um filho-da-puta
de um censor, num dia em que eu perguntei por que todas as
minhas peças estavam proibidas, ficou nervoso:
- Porque suas peças são pornográficas
e subversivas.
- Mas por que são pornográficas e subversivas?
- São pornográficas porque têm palavrão.
E são subversivas porque você sabe que não
pode escrever com palavrão e escreve.”
“O palavrão. Eu, por essa luz que me ilumina,
não fazia nenhuma pesquisa de linguagem. Escrevia como
se falava entre os carregadores do mercado. Como se falava
nas cadeias. Como se falava nos puteiros. Se o pessoal das
faculdades de lingüística começou a usar
minhas peças nas suas aulas de pesquisas, que bom!
Isso era uma contribuição para o melhor entendimento
entre as classes sociais.”
“Eu escrevo histórias. Eu tenho histórias
pra contar. Mas, tudo o que escrevo dá sempre teatro.”
“Eu sempre escrevi em forma de reportagem. As minhas
peças não têm ficção, sabe?
Eu escrevo, desde Barrela,
reportagens.”
“Eu, há dezessete anos [1973], sou um dramaturgo.
Há dezessete anos pago o preço de nunca escrever
para agradar os poderosos. Há dezessete anos tenho
minha peça de estréia [Barrela]
proibida. A solidão, a miséria, nada me abateu,
nem me desviou do meu caminho de crítico da sociedade,
de repórter incômodo e até provocador.
Eu estou no campo. Não corro. Não saio. E pago
qualquer preço pela pátria do meu povo.]