Crítica de LUIZ CARLOS CARDOSO
Visão, 29/03/1989

Drama sufocante no Bixiga

Plínio Marcos, cuja carreira de autor “maldito” já vai pelos 25 anos, está de volta com um novo texto chocante, A mancha roxa (segunda, terça e quarta no Teatro do Bixiga, em São Paulo). Maia dúzia de mulheres prisioneiras vêem-se aí às voltas com o espectro de uma doença sem cura que parece manifestar-se em uma delas. Não se fala em AIDS, mas trata-se dessa peste pós-moderna que se revela por um carimbo na pele do doente – a mancha roxa, ou a “roxa” apenas, no jargão da cela. Desse modo, Plínio Marcos, que começou a escrever ocupando-se da miséria humana entre grades na terrível Barrela, acrescenta o dado da roxa no rol das degradações de que é cronista.

Com isso se tem uma peça dura, brutal, exasperante, que instaura desde a primeira fala uma situação crispada e assim vai, só se permitindo breves distensões para tomada de fôlego. Para muitos espectadores este encarniçado combate de hora e meia há de impressionar como o mais agressivo momento de teatro que já viram – e só um autor o completo domínio da “maldição” pode ir tão longe.

Achincalhes – Contudo, embora sem dúvida já colocada entre as peças mais violentas de Plínio Marcos, A mancha roxa dificilmente chegará a figurar entre as suas melhores. Nesta, o que é vigor de estilo em parte se dilui e se desgasta. Uma das “marcas registradas” de Plínio, por exemplo, é o achincalhe que algum personagem sempre faz sobre outro, espécie de navalha na carne de efeito moral que tortura e destrói. Aqui, esse escárnio tantas vezes se repete que perde o fio lacerante. Outra constante no seu teatro que decorre também da ênfase no achincalhe é a relação dominador – dominado – aqui, essa fonte de conflito resultou no personagem dispensável da carcereira, expressão do poder canalha implícito na condição degradada das prisioneiras.

Já a virada que elas promovem sob o arrocho da roxa toma a feição de discurso que não é mau por quebrar o realismo, de resto outras vezes quebrado, mas por assumir um rancor retórico evidente demais.

Mesmo sem criatividade especial e sofrendo o embaraço de haver-se com o realismo rude do texto em bruscas mutações para o teatralismo, o diretor Leo Lama (filho de Plínio Marcos e de Walderez de Barros) estréia conseguindo bom trabalho de quase todo o elenco inexperiente. A iluminação é que precisa melhorar, reformulando-se no episódio inteiro da carcereira e talvez tornando mais sutil o efeito da cor roxa para ilustrar a angústia da mancha roxa.

Nesta peça sufocante, algumas pessoas sensíveis terão o desejo de abandonar a sala antes do fim. É difícil, porque o Bixiga impõe a invasão do palco para chegar-se à porta. Essas pessoas, mais que todas, vão sentir na alma o drama das mulheres sem saída de A mancha roxa.

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