Crítica de JEFFERSON DEL RIOS
O Estado de São Paulo
21/03/1989
“A Mancha Roxa”, um efeito
devastador
O flagrante que Plínio
Marcos expõe do cotidiano de uma cela de prisão, é
na sua narração cruel e detalhista, embora desigual,
uma violenta denúncia do sistema carcerário.
O universo concentracionário
de mulheres criminosas, a maioria homossexual e viciada em droga
injetável, é a paisagem sombria e violentíssima
em que Plínio Marcos reaparece para expor a sua visão
do mundo a partir do submundo. Essas personagens femininas, que
já tocam a fimbria da animalidade, são portadoras
da mancha roxa,
eufemismo para a Aids, expressão que jamais será usada.
Ao contrário, a repetição da palavra-disfarce
é intencional na busca de um efeito terrorífico e
metafórico. A mancha
roxa está em tudo
que se define como organização social; nem mesmo as
religiões organizadas escapam. Até a platéia
– o público é banhada por uma implacável
luz roxa.
Plínio Marcos é absolutamente devastador como retratista
de situações individuais ou sociais em traços
naturalistas. Continua, inalteradamente, o repórter de um
tempo mau, como se autodefiniu logo que chegou ao palco. Sabe jogar
com as reações, valores, esse dialeto dos que habitam
os últimos degraus, os desvãos da escala humana. O
flagrante que expões do cotidiano em uma cela de prisão
é, na sua narração detalhista, um irresponsável
requisitório ao sistema prisional.
O que não se percebe desta vez, na obra do dramaturgo, é
nitidez no comentário ao quadro exposto. As culpas são
generalizadas por meio de um recurso que enfraquece a estrutura
da peça: a utilização de monólogos discursivos,
em que determinadas personagens contam suas desventuras e, com inflexão
melodramática, culpam de forma difusa o governo-sociedade
e a própria natureza humana (egoísmo, depravação
pela luxúria, ganância...). Em textos anteriores, Plínio
Marcos deixa que a mecânica do conflito, a própria
ação desenfreada, explique naturalmente as razões
do horror exposto.
A atitude geral das prisioneiras doentes é de vingança,
propondo algo semelhante às pestes medievais com laivos de
maldição bíblica: disseminar a mancha
roxa nos opressores e seus
descendentes. É estranho como posição para
um, ainda que sempre exaltado, artista. Permanece, no entanto, a
capacidade do autor de perturbar fundamente o espectador com a cólera
que talvez o agrida, mas o compromete, com esse inimaginado novo
círculo de um inferno dantesco.
Com uma peça tão forte, mesmo que desigual, Léo
lama, que deveria assumir – porque prova que merece –
o sobrenome Barros e continuar uma estirpe artística, faz
um espetáculo simples com a marca do diretor, em que a grandeza
está concentrada na sinceridade feroz das atrizes. O palco
vazio é o ambiente para um combate mortal entre prisioneiras,
numa relação de poder que reproduz – numa distorção
deliberada – o mecanismo sócio-político-econômico
de opressão vigente, fora das grades. São belas e
comoventes jovens atrizes bem dirigidas nessa peça cruel,
que parece marcar o fim da poesia na escritura do maior poeta vivo
do teatro brasileiro.
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