Crítica de ALBERTO GUZIK
VEJA, 9 DE JULHO, 1980

Com um impacto de um soco
Em A Mancha Roxa, Plínio Marcos mostra que está em plena forma. Com muita emoção.

Plínio Marcos é uma das vozes mais vigorosas da dramaturgia brasileira. Sua nova peça, A Mancha Roxa, prova que a agressividade do autor de Navalha na Carne, Dois Perdidos e Homens de Papel permanece intacta em toda a linha. Depois de ampliar seu horizonte dramático, incursionando pela fantasia mística de Madame Blavatsky e pela parábola poética de Balada de Um Palhaço, Plínio Marcos retorna ao terreno naturalista, traçando a contundente radiografia de um corpo social enfermo. A Mancha Roxa fala de Aids e aborda também as condições de vida nos presídios.

Uma inteligente opção do dramaturgo auxiliou-o a ampliar sua discussão. São mulheres, e não homens, as protagonistas dessa peça que aborda uma doença predominantemente masculina. Além disso, a Aids não é nunca mencionada; fala-se da “roxa”. Esses procedimentos permitiram a Plínio Marcos uma reflexão mais abrangente, menos localizada, sobre o contexto em que se encaixem tanto a epidemia quanto as presidiárias. A doença fatal obtém no texto sinistra ressonância. A difusão do mal ganha o estatuto de emblema de um país onde a vida humana e a saúde pública são tratadas com criminoso descaso.
A Mancha Roxa denuncia esse estado de coisas com raiva e indignação, ao melhor estilo de Plínio Marcos. A trama simples e as personagens bem desenhadas aguçam a narrativa e permitem que o conflito estoure em cena com o impacto de um soco no estômago.

Numa cela especial, a descoberta de que uma das detentas contraiu a “roxa” desencadeia reações que desvelam tanto o sistema tanto a psicologia das personagens quanto o sistema que as levou ao crime. Retomando Barrela em versão feminina, Plínio Marcos debruça-se sobre a hierarquia dos presídios, suas leis internas, a relação ambígua com carcereiros e prisioneiros, a atividade sexual, a droga. A doença fatal, na realidade, é o elemento catalisador da explosão de conflitos latentes. Depois de se digladiarem entre si, as presas descobrem seu abandono total. A sociedade está surda e cega para elas. Superando as diferenças pessoais, as mulheres se vêem na posse de uma terrível arma: o vírus. Unem-se então num plano de vingança que faz delas damas do Apocalipse.

O texto, em certas passagens, é desequilibrado por discursos redundantes, que repisam conceitos explicitados anteriormente na ação. A exclusão dessas passagens dará mais ênfase à tens~]ao e à violência do original. Esse problema, no entanto, não prejudica o espetáculo dirigido por Léo Lama, filho do dramaturgo. Depois de uma experiência de estréia pouco feliz, em 88, Lama surge como encenador cuidadoso, atento, feliz na captação de climas. Sem um único acessório, dispensando cenografia, usando apenas a luz para delimitar áreas do palco, o espetáculo apresenta uma linha narrativa dinâmica, clara, e veicula densas emoções.

A mão precisa do diretor é sentida também na condução do elenco, que apresenta rendimento homogêneo e coeso. As personagens são desenhadas pelas atrizes com grande força e ousadia. Nenhuma delas deixa cair a tensão, que perdura por todo o espetáculo. Essa entrega intensa vale um elogio coletivo a Camila Bolaffi, Cláudia Campos, Dione Leal, Beth Daniel, Leila Pantel, Graça de Andrade e Elaine Gonçalves. A ferocidade da montagem, atenuada por certeiros momentos de humor, faz inteira justiça à Mancha Roxa, um dos grandes momentos da dramaturgia de Plínio Marcos.

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