[PAULO VIEIRA, “Plínio Marcos, a flor e o mal”,
Editora Firmo, 1994]
Em 1968, o Teatro
de Arena de São Paulo, sob a direção de Augusto
Boal, criou a Primeira Feira Paulista de Opinião. O objetivo
era apresentar pequenos textos, reunidos em um único espetáculo,
no qual retratassem a realidade brasileira.
Plínio Marcos escreveu uma pequena peça para esse
evento, Verde que
te quero verde, uma anedota
em que o autor maldito se vinga da truculência da censura
que o perseguiu. O texto é uma pequena obra-prima, no melhor
estilo de Plínio: frases curtas, situação
dramática atomizada, diálogos teatralmente eficientes.
Em poucas falas, como são as suas melhores peças,
Plínio levanta e condensa uma situação.
No caso em questão, está um censor em cena, o Chefe.
Batem à porta:
“CHEFE – Quem é?
SUBCHEFE – (de fora) Eu!
CHEFE – Avança a senha!
SUBCHEFE – Deus, Pátria e Família!”
O Chefe, aliviado, diz a rubrica, manda que o outro entre. Mas
o Subchefe cobra a contra-senha que não foi dita. Em pouquíssimo
tempo Plínio ridiculariza a moral dos censores, cuja senha
se tornou, durante todo o período da ditadura militar,
uma espécie de panteão da moralidade e do conservadorismo
político. A contra-senha de “Deus, Pátria
e Família” é flatulência.
Os censores, os guardiães da moralidade e dos bons costumes,
os que proíbem os palavrões das peças, eles
próprios, quando falam, dizem apenas e tão-somente
palavrões. Eis um bom momento em que os dois censores comentam
o assunto:
“CHEFE – Desde que a peça desse moleque [o
próprio autor, numa auto-referência] entrou censura
que perdi o sono.
SUBCHEFE – Não perca o sono, tome Nebrutal.
CHEFE – Os cambaus! Digo, não gosto de tomar droga.
Você vê como temos razão de proibir peças
com palavrão. Até eu, que sou um homem de formação
religiosa, me deixo influenciar, às vezes.
SUBCHEFE – Ora, o senhor não faz mais do que citar
um autor.
CHEFE – É verdade. A merda é que nunca cito
Shakespeare.”
A peça conclui com a morte de um outro censor que chega
e esquece a senha. É fuzilado pelos que já estão
em cena. Plínio demonstra em poucas linhas que todo o discurso
moralizador e patriótico não passa de hipocrisia.
Ao mesmo tempo, ridiculariza as reuniões que as esquerdas
faziam nos teatros.
O censor morto traz uma fita gravada de uma dessas assembléias.
Eis o trecho final da peça:
“1ª VOZ – Vamos pôr em votação
as duas propostas! A primeira é que se faça uma
greve de fome...
OUTRA VOZ – Uma questão de ordem! Uma questão
de ordem! Quero acrescentar uma coisa a essa proposta.
1ª VOZ – Então acrescenta logo que a turma já
está se mandando pro Gigeto.” [restaurante em São
Paulo freqüentado por artistas]
O censor desliga o gravador.
“CHEFE – Ganhamos.
SUBCHEFE – Como sempre! E esse aí?”
Diz em relação ao censor que foi morto.
“CHEFE – Será enterrado com honras de herói.
SUBCHEFE – Enrolado em bandeira?
CHEFE – É. Embrulha ele na bandeira.”
Verde que te quero
verde, na opinião
de Yan Mishalsky, é “uma pequena charge, uma espécie
de desenho em quadrinhos transportado para o palco, mas o seu
grosso e primitivo humor é de uma devastadora violência.”
[Yan Mishalsky, “Arena foi à Feira”, Jornal
do Brasil, Rio de Janeiro, 17/9/1968]
voltar