Conto: PELA BOLA SETE
O Bereco era do devagar. Não queria nada com o batente. Seu
negócio era sinuca. E nisso ele era cobra. De taco na mão,
fazia embaixada. Conhecia os trambiques do jogo e sabia como entrutar
o parceiro. Então, estava sempre com a bufunfa em cima. Sabe
como é o lance. Sempre tem um panaca pra desconhecer o nome
do mandarim. E o Bereco ajudava. Se vestia como um Zé Mané
qualquer. Neca de beca legal. Isso espanta o loque. O babado era
se fazer de besta. Tirar onda de operário trouxa, desses
que dão um duro do cacete de sol a sol, se forram de prato
feito e na folga vão fazer marola em boteco. Daí,
sempre tem um malandrinho pra tomar os pixulés do otário.
Se fazer passar por coió era o grande trambique do Bereco.
Com essas e outras, ele engrupia até muito vagau escolado.
Até no Bar Seleto de São Vicente, ponto certo dos
grandes tacos do mundo, o Bereco deu esse deschavo. E grudou. Pensaram
que ele era pão-ganho e ele tomou o sonante dos pinta. E
assim o Bereco ia remando seu barco em maré mansa. Só
ganhando. Um pato atrás do outro era depenado. Sem dó.
Que, nas paqueras da vida, é cada um pra si. Até que
um dia aconteceu um esquinapo.
Era fim de mês. Dia de pagamento da Refinaria de Petróleo.
O Bereco, que estava por dentro, se picou pro Cubatão. Se
plantou num salão dos bordejos da refinaria e ficou na moita.
Logo foi baixando a freguesia. Tudo de capacete de lata. A patota
estava contentona, de envelope no chorro. E o Bereco só espiando
o lance. De vez em quando, tirava um paco de nota pra pagar uma
Coca-Cola. Era a milonga. Logo, um capacete de lata mais afobado
se assanhou com o dinheiro do majura. Sentiu a muquinha pega e quis
tomar. Mediu o Bereco e foi no chaveco do pinta. O capacete de lata
tinha um joguinho enganador. Desses que funcionam em mesa de sindicato.
Mas levou fé em si e nenhuma no Bereco. Encarnou no moço:
— Como é, parceiro? Quer fazer um joguinho?
O Bereco não deu pala:
— Não jogo nada.
O capacete de lata cercou:
— A leite de pato.
O Bereco deixou andar:
— Se é brinquedo, vamos lá.
E começou o jogo. O Bereco sentiu o parceiro e tirou de letra.
O capacete não sabia nada. O Bereco deu o engano. Os primeiros
dez mirréis, os segundos e os terceiros, o Bereco empurrou
pro trouxa. E se fez de bronqueado. Partiu pros vinte, pros cinqüenta
e pros cem mil. O capacete de lata estava se deitando. Era seu bilhete
premiado. Com o dinheiro que ganhou do Bereco e o seu ordenado,
já tinha um milheiro no porão. Daí, o Bereco
selou:
— Ou tudo ou nada.
O capacete de lata nem balançou:
— Um milhão na caçapa.
Todo mundo de botuca ligada na mesa. O capacete de lata saiu pela
cinco. Errou. O Bereco se tocou que o xereta estava nervoso. Teve
que maneirar. Cozinhar o galo. Senão, ia ficar escrachado
o perereco. Errou na cinco, que estava cai, não cai. E o
joguinho ficou de duas muquiranas. Só na bola da mesa. O
Bereco não embocava. Só colhia as mancadas do capacete
de lata. Se o bruto metia uma três, o Bereco fingia que era
sem querer e deixava uma sinuca de bico pro inimigo. E na catimba
do Bereco e no virador do capacete de lata, o jogo foi comprido
paca. Os sapos nem chiavam. Seguravam as pontas. Era tudo torcedor
do capacete de lata. Trabalhadores da refinaria. Mas o Bereco nem
estava aí. Já contava com o dinheiro da caçapa.
Aí chegaram na bola sete. Só a sete estava na mesa.
E o jogo estava por ela. O Bereco, folgado, muito à vontade,
encostou a negra na parede. O capacete de lata tremia, suava. Estava
com o motor batendo acelerado. Fez mira. Começou a pensar
que tinha quatro filhos no seu chatô, aluguel de casa, rango,
escola, remédio e os cambaus. Pensou no que ia dizer pra
mulher. Com a cabeça cheia de minhocas, deu na cara da bola.
Uma chapada. A negra rolou pra um lado, a branca, pra outro. O capacete
de lata sentiu um alívio. Pelo menos acertou na bola. Mas
o recreio durou pouco. Quando as bolas pararam, a sete estava na
boca da botija. Pedindo pra cair. E a branca, no meio da mesa. Ninguém,
por mais cego que fosse, errava aquela bola. O Bereco sorriu. Deu
a volta na mesa devagar. Bem devagarinho. Enrustido, sem dar bandeira,
ia gozando as fuças dos otários. O capacete de lata
só faltava abrir o bué. Deu a volta e ficou atrás
da caçapa em que a bola ia cair. O Bereco deu uma dica de
leve:
— Vai secar?
O capacete de lata quis falar, mas não deu. Se engasgou.
O Bereco não se flagrou no olhar do panaca. Se tivesse visto
as bolas de sangue nas botucas do capacete de lata, ia ficar cabreiro.
Não viu e fez a presepada. Passou giz no taco, com calma.
Se ajeitou na mesa, com calma. Aí, levantou a mira. Viu a
bola branca, a sete, a caçapa, atrás da caçapa
um revólver quarenta e cinco e, atrás do revólver,
o capacete de lata. O Bereco quis saber:
— Que é isso, meu compadre?
O capacete de lata espumou, babou e resmungou:
— Se meter essa bola, eu te mato.
O Bereco viu logo que era jura. Se fechou em copas. Deu na bola
de esguelha, o taco espirrou. Raspou na sete e as duas ficaram na
berba da caçapa. Coladas. O Bereco fingiu que não
havia nada. Deu a treta:
— Ficou pra você, compadre.
O capacete de lata guardou o revólver, a raiva e tudo. Foi
de cabeça. Deu no taco e bimba. A branca e a negra mergulharam
juntas. O Bereco ficou só olhando. As lágrimas correram
dos olhos do capacete de lata. Estava tão por baixo que não
dava pra pegar a arma e aprontar o salseiro. Só deu um lamento:
— Tenho quatro bacuris.
O Bereco fez que não escutou. Recolheu a grana e saiu de
fininho. O capacete de lata saiu logo atrás. Ninguém
se mexeu. Passou um tempo e veio o estouro. Meio mundo foi ver as
rebarbas. No meio da rua, o capacete de lata estava estarrado. Tinha
o revólver na mão e uma bala na orelha. Se acabou.
O Bereco só teve pena de nunca mais poder dar grupo em trouxa
do Cubatão. Perdeu um grande pesqueiro.
voltar
|