Conto: DOIS TIMES SEM JOGO
Certa vez, o União da Barra do Catimbó recebeu o seguinte
ofício:
“Ilmos. Srs.
Do União da Barra do Catimbó
Nós vem por essa mal-traçada linha chamar vocês
aí pra jogar no campo da gente uma partida de futebol no
domingo, que a gente só joga nesse dia, que nos outro a gente
trabalha.Se vocês quiser vim, pode responder o ofício
dizendo que vem, que é pra gente pendurar ele na tabuleta
do boteco do Almeida pros sócio do time da gente poder ver
que vocês aceitou e se na hora vocês ficar com medo
e não vier eles não ficam pegando no pé da
gente e dizendo que essa diretoria não tem ninguém
que sabe tratar jogo. Agora, se vocês não tão
a fim de encarar a gente, então é pobrema de vocês.
O Flor do Ó não tem medo de ninguém.”
(Assinado: Olavo Silva – Diretor Esportivo do Flor do Ó)
Assim que leu o ofício, o Seu Azulão, presidente do
União da Barra do Catimbó, se picou de raiva. Convocou
a diretoria do seu time, leu o ofício do adversário
e de imediato todos toparam o jogo com o Flor do Ó. E, como
era solicitado pelo desafiante, mandaram a resposta num ofício
caprichado:
“Ilmos. Srs.
Diretores do Flor do Ó
Nós recebeu o ofício marcando jogo e responde por
essa mal-traçada linha que aceita. Nós não
é de enjeitar parada. Se a gente tivesse medo de homem, não
saía na rua vestindo calça. A gente vai, pode anunciar.
Mas tem um negócio que é o seguinte. Nós dá
o juiz e vocês que é o dono do campo dá a bola.
Domingo tamos aí na Freguesia do Ó pro que der e vier.
Respondam logo se aceitam dar a bola. Se tiver medo de nós,
é só dizer que não quer, que a gente não
vai.” (Assinado: Eldócio Pereira (Azulão) –
Presidente do União da Barra do Catimbó)
De posse do ofício do União da Barra do Catimbó,
o pessoal da diretoria do Flor do Ó se atucanou e, rápido
e rasteiro, mandou um pivete levar outro ofício, com novas
bases:
“Ilmos. Srs.
Diretores do União da Barra do Catimbó
Nós recebeu seu ofício que veio cheio de mumunha.
E passamos a responder nessa mal-traçada linha. Vocês
quer moleza, já vi tudo. Mas a gente não tá
a fim de criar caso. Só queremos jogar. Vocês pode
trazer juiz. Que com nós ele não vai ter vida mansa.
Se tiver afanando a gente, nosso capitão do time toma o apito
dele e dá pra outro. Nós sabe que na Barra do Catimbó
só tem juiz ladrão. Nós não é
otário. Mas aceitamos nessa base que botamos aqui. Agora,
no negócio da bola, vocês traz a bola. Nós dá
o campo e vocês a bola. Cada um dá uma coisa. Se quiser
assim, tá combinado.” (Assinado: Olavo Silva –
Diretor do Flor do Ó)
Mal o Azulão meteu as botucas no ofício do adversário,
segurou o pivete mensageiro e fez com que ele esperasse às
pamparras pra levar outro ofício de volta:
“Ilmos. Srs.
Diretores do Flor do Ó
Juiz ladrão tem é no bairro de vocês. Tudo abafador.
Nós manja a negada daí. E não adianta vim com
grupo pra cima da gente que a gente não é trouxa e
não vai entrar em truque de papagaio enfeitado da Freguesia
do Ó. Juiz que a gente leva pra apitar o jogo apita até
o fim e não adianta estrilo de capitão fajuto. Se
nós leva o homem nós garante ele. Nisso vocês
pode botar fé. E no negócio da bola não tem
arrego. Vocês dá a bola. Agora, se vocês quer
arranjar desculpa pra não jogar é poblema de vocês.
Nós foi convidado. Aceitamo porque nós não
tem medo de ninguém. Na bola e no pau nós somo mais
nós.” (Assinado: Eldócio Pereira (Azulão)
– Presidente do União da Barra do Catimbó)
Ao tomar conhecimento do novo ofício do União, a curriola
do Flor do Ó se entralhou e, sem demora, mandou mais um ofício:
“Ilmos. Srs.
Diretores do União da Barra do Catimbó
Nós vem por meio desta mal-traçada linha avisar que
não aceita esculacho de ninguém. Ladrão é
vocês desse pedaço fedorento. Nós aqui é
trabalhador. E dentro do campo quem fala mais alto e o único
que chia é o capitão do time e se ele resolver tirar
o pilantra que vocês botaram pra apitar pode contar que ele
tira porque a gente dá a maior moral pra ele. No negócio
da bola, vocês tem que trazer a de vocês que a bola
da gente tá com bexiga e pode estourar.” (Assinado:
Olavo Silva – Diretor do Flor do Ó)
A diretoria do União, presidida pelo Azulão, não
era de engolir desaforo. Por isso, mal acabaram de ler o ofício,
se bronquearam e azedaram mais na resposta:
“Ilmos. Srs.
Diretores do Flor do Ó
A Barra do Catimbó não é bairro de ladrão,
a mãe de vocês não mora aqui. Gaturama é
a patota daí. E a gente não quer levar a bola nossa
porque sabe que vocês vai querer roubar ela. A negada do Democrata
contou pra gente que quando foram jogar aí a bola deles caiu
na vala e vocês enrustiram ela e eles voltaram sem bola. Nós
não entra nessa. Deixa de ser fominha e bota a bola que vocês
afanaram do Democrata em campo.”(Assinado: Eldócio
Pereira (Azulão) – Presidente do União da Barra
do Catimbó)
Esse ofício do Azuião revoltou bastante a turma
do Flor do Ó, e eles, naturalmente, enviaram um pra acabar
com a graça:
“Ilmos. Srs.
Diretores do União da Barra do Catimbó
Nós não afanou bola de ninguém. Nós
não ia se sujar por tão pouco. O Democrata aqui
apanhou na bola e no tapa e por isso tá fazendo fuxico.
Agora, vocês fizeram mal de meter a mãe no meio disso.
Quando derem as fuça aqui, vão ter que engolir isso.
Porque jogo só vai ter se vocês truxer bola. Ladrão
pensa que os outro é ladrão. Mas nós não
é. Pode trazer a bola sossegado.” (Assinado: Olavo
Silva – Diretor do Flor do Ó)
Por fim, o Azulão mandou o ofício definitivo:
“Ilmos. Srs.
Diretores do Flor do Ó
Nós não vai porque não vai deixar os ladrão
daí roubar nossa bola. Mas, quando vocês quiser dar
a bola, a gente vai. Quanto esse negócio de engolir o ofício
da mãe de vocês, nós duvida e faz pouco. Tamos
aqui pra qualquer coisa. Se vocês tem medo de vim aqui,
pode esperar que a gente se encontra nas quebrada.”(Assinado:
Eldócio Pereira (Azulão) – Presidente do União
da Barra do Catimbó)
E, por essas e outras, o União da Barra do Catimbó
e o Flor do Ó ficaram sem jogo.